A sede oculta da inteligência artificial: o impacto ambiental dos Data Centers

A inteligência artificial está transformando o mundo digital, mas esse avanço vem acompanhado de um custo ambiental pouco conhecido pela maioria das pessoas: o alto consumo de água pelos Data centers que sustentam essa tecnologia.

Cada interação com modelos de IA, como o ChatGPT, contribui para esse consumo. Uma conversa com cerca de 20 perguntas, por exemplo, pode usar até meio litro de água, utilizada principalmente para o resfriamento dos servidores.

Com o avanço da IA, a necessidade de estruturas que mantenham seu funcionamento também aumenta. Os Data Centers consomem abundantes quantidades de recursos, e esse impacto ainda passa despercebido pelos usuários no dia a dia.

O que são Data Centers e por que eles consomem tanta água?

Um Data center é um espaço físico que abriga a estrutura necessária para o funcionamento de sistemas de computação — incluindo servidores, armazenamento de dados e outros equipamentos. É, basicamente, onde a “nuvem” mora.

No Brasil, existem 181 data centers em operação. Já nos Estados Unidos, por exemplo, esse número passa dos 5 mil. Desde os anos 1960, quando surgiram os primeiros centros do tipo, já se discutem os impactos ambientais dessa tecnologia.

Só que a inteligência artificial é um sistema bem mais avançado, o que também exige um consumo de energia muito maior.

Isso acontece porque sistemas de IA processam grandes volumes de dados em tempo real para gerar respostas rápidas e eficientes. Entre os principais desafios enfrentados pelos Data centers de IA, estão:

  • Escalabilidade: estruturas tradicionais não acompanham o crescimento acelerado da demanda.
  • Resfriamento e energia: é necessário manter o ambiente em temperatura ideal, o que demanda sistemas robustos de refrigeração.
  • Espaço físico: soluções de IA costumam exigir instalações maiores e mais modernas.

Por trás de cada e-mail redigido automaticamente ou imagem gerada por comando de texto, há uma infraestrutura consumindo água e energia para funcionar corretamente.

Como é o consumo de água nos data centers?

Com cerca de 9.000 metros quadrados, em média, os Data Centers reúnem milhares de servidores que processam dados 24 horas.

Todo esse trabalho gera calor, e para manter os equipamentos na temperatura ideal, o resfriamento se torna indispensável. Por isso, a água tem um papel fundamental.

O método tradicional de resfriamento dos servidores utiliza sistemas baseados em água. A lógica é simples: a água fria circula pelo Data Center, absorve o calor dos equipamentos e segue para uma torre de resfriamento. Nessa etapa, parte da água evapora e o calor é dissipado.

Para entender o impacto desse processo, um único servidor, segundo o site Ehow.com, consome em média 850 watts por hora. Em um dia, isso equivale a 20,4 kWh e, ao longo de um ano, chega a 7.446 kWh.

Considerando que entre 1 e 9 litros de água são evaporados por quilowatt-hora consumido, um único servidor pode evaporar até 183 litros de água por dia. No período de um ano, isso representa aproximadamente 67 mil litros.

Para efeito de comparação, essa quantidade é próxima da água utilizada por três pessoas tomando dois banhos de cinco minutos por dia durante um ano inteiro.

Quando se multiplica esse consumo por milhares de servidores em operação contínua, fica evidente o tamanho da pegada hídrica dos Data centers. A chamada “nuvem”, embora invisível, tem um custo, e ele pode estar sendo desperdiçado sem percebermos.

Explicando os Data Centers em números

Os Data Centers, responsáveis por armazenar, processar e distribuir informações em todo o planeta, são estruturas fundamentais na era da informação. Algumas curiosidades ajudam a dimensionar o tamanho e a importância desses centros.

  • O total de dados gerados por Data Centers no mundo deve atingir 175ZB, ou 175 trilhões de gigabytes até 2025. Um ZB equivale a 8 sextilhões de bits;
  • O maior Data Center do mundo, o Lakeside Technology Center, em Chicago, tem cerca de 102 mil m². Isso daria para construir 318.750 estádios do tamanho do Maracanã;
  • Os EUA lideram em quantidade, com 5.390 Data Centers. Em seguida vêm Alemanha (522), Reino Unido (512) e China (449);
  • O Brasil é o principal mercado do setor na América Latina, com 40% dos investimentos da região. O maior Data Center do país está em Vinhedo (SP), pertence à Ascenty, tem 40 mil m² e cinco estruturas integradas;
  • Cerca de 92% das informações produzidas hoje já são digitais;
  • Se os dados de um Data center fossem impressos, seriam necessárias 14 trilhões de árvores e tanto papel que daria para embrulhar o planeta 7 vezes;
  • A climatização mantém o ambiente a cerca de 21 °C e 50% de umidade, evitando superaquecimento, condensação e acúmulo de poeira;

Em um minuto na internet…

De acordo com dados de 2019, em um intervalo de apenas 60 segundos, os Data Centers globais precisavam lidar com:

  • 1 milhão de logins no Facebook
  • 4,5 milhões de vídeos vistos no YouTube
  • 41,6 milhões de mensagens enviadas via WhatsApp e Messenger
  • 3,8 milhões de buscas no Google
  • 347 mil posts visualizados no Instagram

Cada e-mail pode gastar meio litro de água

Pesquisas ao redor do mundo já medem o impacto ambiental da inteligência artificial, mas esses dados ainda são pouco divulgados. Para se ter uma ideia, um e-mail de 100 palavras gerado por IA pode consumir cerca de 519 ml de água.

Ou seja: uma simples mensagem criada por um assistente virtual pode gastar a mesma quantidade de água que alguém beberia em uma pausa rápida no trabalho.

No mundo inteiro, mais de 300 bilhões de e-mails são enviados diariamente. Considerando que metade da população global já utiliza inteligência artificial em sua rotina, imagine um cenário hipotético em que a mesma proporção desses e-mails tenha sido gerada com IA, com uma média de 100 palavras cada.

Nesse caso, o consumo total de água seria de aproximadamente 75 bilhões de litros por dia — o suficiente para hidratar toda a população da União Europeia.

Considerando o gasto de água em um e-mail feito pelo ChatGPT…

  • 10 e-mails (5 litros): equivalente ao consumo de água de um adulto durante cerca de dois dias.
  • 500 e-mails (250 litros): suficiente para tomar aproximadamente seis banhos rápidos de cinco minutos.
  • 1.000 e-mails (500 litros): corresponde à capacidade de uma caixa d’água usada por uma família de até três pessoas.
  • 10.000 e-mails (5.000 litros): volume necessário para lavar 10 carros utilizando técnicas de uso consciente da água.
  • 100.000 e-mails (50.000 litros): pode sustentar lavagens de roupa durante um ano inteiro, considerando ciclos médios de até 150 litros por uso.
  • 1 milhão de e-mails (500.000 litros): quantidade aproximada para abastecer o consumo anual de água de uma família de quatro pessoas.

O impacto do ChatGPT em cada resposta

O ChatGPT é hoje a IA generativa mais popular do mundo, com mais de 400 milhões de usuários por semana. Mas pouca gente imagina o impacto por trás de um simples pedido para escrever um texto, resumir um artigo ou responder a uma dúvida do cotidiano.

Cada resposta envolve um processo intenso nos bastidores. Segundo o The Washington Post, para gerar 100 palavras, o ChatGPT utiliza cerca de 519 ml de água. Além disso, consome 0,14 kWh de energia, suficiente para manter 14 lâmpadas de LED ligadas durante uma hora.

De acordo com o CEO da OpenAI, Sam Altman, o ChatGPT recebe 1 bilhão de mensagens por dia. Considerando uma média de 100 palavras por resposta, isso representa um consumo de 518 milhões de litros de água diariamente.

Com essa quantidade, seria possível:

  • Abastecer cerca de 3,4 milhões de pessoas por um dia, com base na média nacional de 150 litros por pessoa;
  • Encher mais de 200 piscinas olímpicas, que comportam cerca de 2,5 milhões de litros cada;
  • Suprir a necessidade de água de Campinas (SP) por 2,5 dias, considerando o consumo urbano médio da cidade;
  • Produzir mais de 346 milhões de garrafas de 1,5 litro — aquelas comuns de água mineral.

Resumindo: com esses dados, já dá para ter uma noção de como ocorre o consumo de água e energia nos data centers. Agora, vamos ver na prática alguns exemplos de como as empresas estão lidando com esse desafio e entender melhor a dimensão desse consumo, principalmente entre as gigantes do setor.

Google aumenta consumo e busca alternativas

Com valor de mercado superior a US$ 2 trilhões, o Google está entre as maiores empresas do mundo e também entre as que mais consomem recursos naturais para manter suas operações ativas.

Grande parte desse impacto vem dos Data Centers, que utilizam amplamente sistemas de resfriamento à base de água.

Um relatório ambiental divulgado pela própria empresa revelou que, em apenas um ano, o Google utilizou 5,6 bilhões de galões de água em suas atividades.

Desse total, 5,2 bilhões de galões — o equivalente a quase 20 bilhões de litros — foram destinados exclusivamente ao resfriamento dos centros de dados.

Para se ter uma ideia da dimensão, esse volume equivale a todo o consumo de água no Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes, durante pouco mais de dois dias.

Outro dado que chama atenção é que a maior parte dessa água é potável, ou seja, própria para o consumo humano. Com o avanço da inteligência artificial, o relatório aponta ainda um aumento de cerca de 20% no uso de água nos Data Centers da empresa, em razão das maiores demandas de processamento.

Diante desse cenário, o Google anunciou a meta de repor 120% da água doce consumida em seus escritórios e centros de dados até 2030.

A proposta é devolver ao meio ambiente mais do que se consome, por meio de tecnologias de reuso, projetos de reabastecimento de e outras ações sustentáveis.

O caso da Microsoft nos Estados Unidos

Alguns Data Centers já divulgam dados reais sobre seu impacto ambiental. A infraestrutura de IA da Microsoft no estado do Arizona, nos Estados Unidos, deve consumir mais de 56 milhões de galões de água por ano.

Essa quantidade daria para abastecer 670 famílias no mesmo período.

O dado mais preocupante, porém, é que 42% da água utilizada pela Microsoft vem de regiões com estresse hídrico, ou seja, locais onde se consome mais água do que há disponível.

O motivo de tanto consumo é simples: a enorme quantidade de dados processados gera calor. Para manter os equipamentos funcionando sem risco de superaquecimento, o resfriamento constante é essencial, e, muitas vezes, feito com água.

Outro ponto importante sobre os data centers é que, apesar do uso elevado de água, esse não é o único recurso necessário para manter essas estruturas em funcionamento.

Crescimento acelerado também exige mais energia

Além da água, o uso de eletricidade nos Data Centers também está crescendo de forma significativa. Segundo a Agência Internacional de Energia, o consumo global desses centros deve subir de 415 TWh em 2024 para 945 TWh até 2030 — sendo a IA a principal responsável.

Para efeito de comparação, isso equivale à energia usada por todo o Japão hoje.

Além disso, a previsão é de que 80% desse consumo virá de Estados Unidos e China, com a demanda por estruturas voltadas à IA crescendo quatro vezes até o fim da década.

Só nos últimos cinco anos, o consumo de energia nos data centers cresceu, em média, 12% ao ano, principalmente por causa do avanço da IA generativa. Diante desse cenário, o setor começa a se preocupar com a possibilidade de escassez de recursos.

Limitações energéticas à vista

Com esse ritmo, o alerta já está no radar de especialistas. Segundo a consultoria Gartner, até 2027, 40% dos Data centers focados em IA devem enfrentar limitações por falta de energia, com a demanda estimada em 500 TWh por ano — 2,6 vezes mais do que em 2023.

Para entender melhor: esse valor é quase o mesmo que todo o Brasil consome em um ano, com seus mais de 200 milhões de habitantes. Hoje, segundo o Worldometer, o país consome por volta de 509 TWh anuais.

Em outras palavras, o ecossistema global de IA caminha para consumir tanta energia quanto a 10ª maior economia do mundo, mas toda essa demanda estará concentrada em servidores, e não em casas, escolas, hospitais ou indústrias.

Então… a inteligência artificial é a vilã da história?

É verdade que o consumo é alto e precisa ser levado a sério, mas também é importante colocar as coisas em um contexto: a IA não é a grande responsável por esse problema.

Antes de tudo, o uso de água não se limita à inteligência artificial. Toda a infraestrutura digital global – que envolve bancos, hospitais, plataformas de ensino e redes sociais – depende desses centros de dados. Ou seja, a IA é parte de um sistema muito maior.

Além disso, diversas soluções já estão sendo adotadas para reduzir esse impacto, incluindo investimentos em energia renovável e a criação de sistemas para reutilizar a água de forma mais eficiente.

É fundamental cobrar transparência e responsabilidade das empresas. No entanto, a tecnologia está cada vez mais integrada à nossa rotina e pode, inclusive, ser uma aliada na busca por soluções.

Hostinger aposta em energia renovável para reduzir impacto

Diante da demanda por armazenamento e processamento de dados, alternativas sustentáveis começam a ganhar espaço no setor de Data Centers.

A Hostinger é uma das empresas que buscam alcançar um equilíbrio nesse aspecto. Referência em hospedagem de sites, a empresa atingiu 100%  de uso de energia renovável em seus data centers, resultado de uma análise detalhada das operações e de parcerias com fornecedores de eletricidade sustentável.

Em 2024, as emissões de Escopo 1 da Hostinger foram de 0,2 tCO2e. Com eletricidade 100% renovável, as emissões de Escopo 2 baseadas no mercado agora são de 15 tCO2e, enquanto as emissões de Escopo 2 baseadas em localização atingiram 2.804 tCO2e. As emissões do Escopo 3 totalizaram 13.771 tCO2e na Hostinger.

De acordo com os procedimentos de descarte, 100% dos servidores e switches desativados da empresa também foram reutilizados ou reciclados de forma responsável com o meio ambiente.

Nos serviços de criação de sites da Hostinger, a inteligência artificial tem sido uma grande aliada, ajudando a otimizar a experiência do usuário. Por isso, a meta é equilibrar esse consumo por meio de iniciativas que promovam um uso mais consciente dos recursos.

Segundo Rafael Hertel, Country Manager da Hostinger no Brasil, o objetivo é seguir avançando nessa direção, oferecendo um serviço de qualidade sem comprometer o planeta.

“Uma das principais iniciativas da Hostinger para os próximos anos era atingir 100% de eletricidade renovável até 2026, um marco que conseguimos alcançar já em 2024. Além disso, nossas emissões do Escopo 2 também apresentaram uma redução de forte impacto para apenas 15 tCO₂e, em comparação com 1.522 tCO₂e em 2023. Hoje, a nossa meta inclui diminuir as emissões para o Escopo 3, junto ao desenvolvimento de um plano de redução alinhado ao Acordo de Paris. Para facilitar a escolha de data centers alimentados por eletricidade renovável para nossos clientes, a Hostinger destaca claramente as opções renováveis ​​em seu hPanel.”

Soluções sustentáveis avançam ao redor do planeta

Outra iniciativa de destaque vem da Suécia, onde o calor gerado pelos servidores já é reutilizado para aquecer mais de 10 mil residências.

A prática, conhecida como recuperação de calor, transforma o subproduto do funcionamento dos equipamentos em uma fonte de energia, contribuindo para a redução de emissões e o aproveitamento mais inteligente dos recursos.

Além disso, tecnologias de resfriamento líquido estão se tornando cada vez mais comuns como alternativa aos tradicionais sistemas de ar-condicionado.

Essa abordagem pode reduzir o consumo de energia em até 40%, já que a técnica de transferência térmica pela água em estado líquido tem uma eficiência 50 vezes maior em relação ao estado gasoso.

Essas mudanças mostram que dá para crescer no ambiente digital sem esquecer da sustentabilidade. Quanto mais soluções criativas surgirem, melhor será o equilíbrio entre tecnologia e cuidado com o planeta.

O futuro dos Data Centers

A expansão da IA é inevitável, mas ela levanta uma pergunta: até que ponto estamos dispostos a comprometer recursos vitais, como a água, para sustentar o avanço tecnológico?

Interromper os avanços não está em pauta. No entanto, a humanidade pode e deve buscar alternativas que permitam o uso dessas inovações de forma consciente, garantindo que o progresso caminhe lado a lado com a preservação dos recursos do planeta.

Author
O autor

Bruno Santana

Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e Especialista em Marketing de Conteúdo na Hostinger, onde atuo na criação e otimização de artigos úteis, envolventes e criativos em áreas como desenvolvimento web e, marketing. Além disso, sou colaborador eventual do site MacMagazine e da editoria de cultura do Jornal A Tarde, fascinado por arte, culinária e tecnologia.